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sexta-feira, 7 de outubro de 2011

“O Lúdico e a arte de contar histórias”

“O Lúdico e a arte de contar histórias”

“O Lúdico e a arte de contar histórias”
“A volúpia de ler: um jeito de compreender o mundo”
Fanny Abramovich


A arte de contar histórias
Contar histórias é um meio de comunicação ancestral. Isso nos obriga a
pensar em Platão que, na sua República, já se referia à importância de contar
contos — primeiro os contos, depois a ginástica — para a educação física das
crianças gregas, sem contudo negar a função de entretenimento que esses contos
podiam proporcionar. E podemos ainda pensar nos jograis, trovadores,
saltimbancos, menestréis, bufões, que de diversas formas contavam histórias e
difundiam obras. E o que dizer de um dos livros mais antigos — a Bíblia — que
fala também através de histórias? E como esquecer os contadores de histórias
tribais primitivas, que certamente fazem silêncio para ouvir aquele que melhor
contasse uma história e haveria de ser o que melhor a revestisse de detalhes, sem
fugir ao essencial, o que tivesse mais dons de graças, fantasia, aquele que
contasse com emoção, como se estivesse vendo o que sua própria fala evocava
na imaginação dos companheiros.
Até o século IV os textos eram copiados em rolos, dificultando sua
manipulação e o olhar no espaço da página. A pronúncia incluía a maneira de ler,
pois a leitura silenciosa era anomalia. Mesmo, com o advento da imprensa os
livros passam a ser editados em um número pequeno e freqüentemente com
caráter religioso, como nessa época poucos sabiam ler, a leitura oral tem papel
fundamental na transmissão dos escritos a outros.
Os estudiosos da leitura em voz alta (LVA) defendem que deve haver a
convivência com o texto para que haja uma boa LVA, Ela é partilhável, Ela
comunica emoção, “portanto uma atividade formativa. É por isso que o professor
deve fazer dela sua prática cotidiana, sua paixão de ler deve conduzir o ouvinte1
ao prazer do texto” (Bajard, 2001) devendo haver então a sintonia entre oradorouvinte-
ouvintes. Desta forma a leitura para si e para os outros passa a se
distinguir, sendo esta segunda “um encontro entre as pessoas envolvidas na
comunicação... uma pessoa que dá voz a um texto e outra que ao escutá-lo, “o
enxerga” (idem). Assim, a LVA requer a língua e também linguagens.
Segundo Bajard (2001) considerar a evolução das práticas de leitura e suas
representações nos permite propor o dizer2 como “uma atividade de comunicação
instaurada a partir da tradução de um texto escrito em texto oral” (idem), desta
forma ao ouvir uma história o ouvinte1 reproduz sem que haja livros e letras,
ocorrendo uma transmissão de texto pela voz tornando-se o dizer2 a prática da
recitação e da arte de contar, comportando uma dimensão lúdica. Aquele que diz
passa a assumir as diversas etapas da enunciação, transformando em
personagens e transformando o personagem fator importante para formação de
qualquer pessoa, ouvir histórias, escutá-las é o início da aprendizagem para ser
um leitor, e ser leitor é ter um caminho infinito de descobertas e de compreensão
do mundo.
Para Abramovich (1995), o primeiro contato da criança é aquele mantido
com pais, avós, e outros familiares que contam histórias representadas em contos
de fadas, histórias inventadas na hora de dormir ou quando a família está reunida
numa hora de aconchego, num dia de chuva de domingo ou num feriado.
Ler histórias significa poder rir, experimentar situações vivenciadas pelos
personagens, é interagir com o jeito de escrever do autor, além de poder ser
cúmplice do momento de humor, de brincadeira, do divertimento, é esclarecer
melhor as dificuldades ou descobrir um caminho para solução delas, é motivar a
imaginação, é ter a curiosidade
satisfeita em relação a tantas perguntas, é buscar outras idéias para solucionar
certas questões.
...“A história é importante alimento da imaginação.
Permite auto-identificação favorecendo a aceitação de
situações desagradáveis e ajuda a resolver conflitos,
acenando com a esperança. Agrada a todos, de modo
geral, sem distinção de idade, de classe social, de
circunstância de vida”. (COELHO, 2001)
É ouvindo histórias que se pode sentir emoções importantes, como a
tristeza, a raiva, a irritação, o bem-estar, o medo, a segurança, o poder e tantas
outras. Dessa forma aprender a olhar o mundo com outros olhos, olhos da
tolerância.
Quando se ouve uma história o ouvinte1 pode descobrir outros lugares,
pessoas, culturas, jeito de agir e de ser, tem a possibilidade de entender a
pluralidade, e com isso respeitar a diferença entre os povos.
...“As histórias nos servem para ensinar uma porção de
coisas a respeito dos ouvintes, pois nos oferece um
vasto material de estudo, portanto devemos: registrar os
comentários, guardar os desenhos, comparar, analisar
as diversas manifestações de expressão relacionadas
às histórias. Há quem conte história para enfatizar
mensagens, transmitir conhecimento, disciplinar, até
fazer uma espécie de chantagem “se ficarem quietos,
conto uma história.” Quando o inverso é que funciona. A
história aquieta, serena, prende à atenção, informa,
socializa, educa. Quanto menor a preocupação em
alcançar tais objetivos explicitamente, maior será a
influencia do contador de histórias. O compromisso do
narrador é com a história, enquanto fonte de satisfação
de necessidades básicas dos ouvintes1.” (COELHO,
2001)
O contar história traz dimensões pedagógicas, farmacopéia, e de
entretenimento. Para Clarissa Pinkola (1998), a vida de um guardião de histórias é
uma combinação de pesquisador, curandeiro, especialista em linguagem
simbólica, narrador de histórias, inspirador, interlocutor de Deus e viajante do
tempo.
Na farmácia das centenas de histórias ensinadas, a maioria delas não é
usada como simples diversão. De acordo com a aplicação folclórica elas são, sim,
concebidas e tratadas como um grande grupo de medicamentos de cura, cada um
exigindo preparação espiritual e certos insights por parte tanto do curandeiro
quanto do paciente.
Essas histórias medicinais são tradicionalmente usadas de muitos modos
diferentes. Para ensinar, para corrigir erros, para iluminar, auxiliar a
transformação, curar ferimentos, recriar a memória. Seu principal objetivo consiste
em instruir e embelezar a vida da alma e do mundo.
Arte é aquela que comove, emociona, desenvolve a sensibilidade. É
importante porque ala celebra as estações da alma, ou algum acontecimento
trágico ou especial na sua trajetória. A arte não é só para o indivíduo, não é só um
marco da compreensão do próprio indivíduo. Ela é também um mapa para aqueles
que virão depois de nós..
O oficio de contar histórias representa a criação de algo, e esse algo é a
essência. Sempre que alimentamos a alma, ela garante a expansão.
Para contar uma história, seja ela qual for, é bom saber contar, pois contar
história é uma arte e tão linda! É ela que equilibra o que é ouvido com o que é
sentido.
Como toda arte, a de contar história também possui segredos e técnicas. E
tem como matéria-prima a palavra, prerrogativas das criaturas humanas, depende,
naturalmente, de certa tendência inata, mas pode ser desenvolvida, cultivada,
desde que se goste de crianças e se reconheça a importância da história para
elas.
O sucesso da narrativa depende de vários fatores que se interligam, sendo
fundamental a elaboração de um planejamento, no sentido de organizar o
desempenho do narrador, garantindo-lhe segurança e assegurando-lhe
naturalidade.
O primeiro passo consiste em escolher o que contar, a quem, onde e
quando iremos contar. A escolha é algo pessoal. O contador precisa sentir a
história. Ser capaz de emocionar-se e emocionar os outros. É interessante
escolher uma temática.
Dentre os vários indicadores que nos orientam na seleção da história
destaca-se o conhecimento dos interesses predominantes em cada faixa etária
(pré-escolar, escolar). Como também a qualidade literária da história.
...“A história é um alimento da imaginação da criança e
precisa ser dosada conforme sua estrutura cerebral.
Sabemos que o leite é um alimento indispensável ao
crescimento sadio. No entanto, se oferecermos ao
lactante leite deteriorado ou em quantidade excessiva,
poderão ocorrer vômitos, diarréias, e prejuízo da saúde.
Feijão é uma excelente fonte de ferro, mas nem por isso
iremos dar feijão a um bebê, pois fará mal a ele.
Esperamos que cresça e seu organismo possa
assimilar o alimento. A história também é assimilada de
acordo com o desenvolvimento da criança e por um
sistema muito mais delicado e especial.” (COELHO,
2001)
Então, devemos estar atentos à importância de saber escolher o que
contar, tendo em vista a quem e o ambiente onde se irá contar.
Uma vez escolhida a história a ser contada passamos a estudá-la. Isso não
significa que devemos decorá-la textualmente. Estudar urna história é, em primeiro
lugar, divertir-se com ela, captar a mensagem que nela está implícita e, em
seguida, após algumas leituras, identificar os seus elementos essenciais, isto é
que constitui a sua estrutura: introdução, enredo, clímax, desfecho.
Estudar uma história é também inventar as músicas ou adaptar a letra a
músicas conhecidas, conforme sugestão do texto, que são introduzidas no
decorrer do enredo ou no final.
Estudar a história é ainda escolher a melhor forma ou suporte mais
adequado de apresentá-la. Os suportes mais utilizados são: a simples narrativa, a
narrativa com o auxilio do livro, o uso de gravuras, de flanelógrafo, de desenho, e
a narrativa com interferências do narrador e ouvintes.
Pensar a ludicidade de forma complexa é adotar estratégias de
intervenções pedagógica que nos possibilite não apenas oferecer e oportunizar
momentos lúdicos, mas extrair deste tempo substrato que permita interpretar o
valor que as pessoas atribuem a estes momentos.
Quando se fala daquilo que se apresenta como novidade, é que a novidade
é sempre algo que quebra a rotina, cria novas expectativas e possibilita
experiências novas. Inovar a prática pedagógica é o desafio que deveria
impulsionar os professores no fazer cotidiano, para buscar forças interiores, que
no dia-a-dia justifiquem a função social que exercemos. Um professor não precisa
ser um recreador, porém, se tiver ou desenvolver esta capacidade, com certeza,
amplia consideravelmente seu repertório de ação.
Desta forma, junto ao ouvinte, o contador pode aprender a olhar, observar a
realidade com arte, e fazer da prática pedagógica cotidiana uma prática reflexiva
teórica e, por que não dizer, também lúdica. E nestas mediações pode recuperar o
lúdico em suas disciplinas, abordando diversas questões sobre o brincar, e o
contar histórias coma: a relação adulto-criança, o brinquedo, a brincadeira e seu
espaço, etc. Não em contraposição às demais atividades, mas como parte
integrante da vida dos alunos na instituição escolar e em outros espaços sociais
de aprendizagem e convivência culturais.
Enfim, embasadas nos estudos e leituras realizados, entendemos que
ouvindo história o ouvinte vai compondo uma infinita abertura de possibilidades —
tal como a imagem de um caleidoscópio, que lhe permite uma legitimidade do
mundo, e é inserida nesta perspectiva transformadora que apontamos a ação
lúdica na escola. Pois, se acreditamos que nossos alunos são criativos,
imaginativos em função das potencialidades de seu pensamento, podemos tornar
possível, utilizando uma linguagem mágica, única e universal que é a linguagem
da história.
As contribuições resultantes deste nosso estudo demonstraram um novo
pensar sobre a ludicidade e arte de contar história. Este novo pensar poderá nos
levar a criar novas estratégias de intervenções não habituais, onde as atividades
lúdicas não serão vistas apenas coma momentos de prazer, mas como momentos
ricos de significados para as pessoas e que esses significados sejam tratados e
interpretados como um dos avanços da ciência.
LOPES, Adriana Teixeira et al. A arte de contar histórias. Salvador:
Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Educação — FACED, 2002

fonte: Unopar Virtual



1 trocamos a palavra criança por ouvinte, por entender que todos que interagem na hora de contar a
história são ouvintes.
2 dizer para Elie Bajard, é atividade de comunicação vocal de um texto preexistente.





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